Por Izabel Gurgel (*)
O mangará é o coração da
bananeira. A fibra da árvore é o mangará da Fibrarte, nome de placa do grupo de
mulheres artesãs que realizam, desde o corte do tronco, cada uma das etapas da transformação
da matéria-prima em peças de uso pessoal, utilitário e decorativo. É peba
separar um e outro, pois, como nos lembra o poeta mexicano Octavio Paz, o
artesanato é de um tempo em que a beleza da forma não estava apartada da função
de uso, diário ou extraordinário. São artesanais no sentido de artifício gerado
do trabalho com a natureza, conhecimento ancestral e domínio do processo de
feitura, sem comprometer a vida de outros seres e outras culturas.
A base de cada peça
(almofada, bolsa ou colete, para ficar só na cartilha do abc) é o enlace, um e
outro, um com o outro, a conjugação do tu-e-eu-olha-nós, seja trançado, corda
ou crochê. Vou nomear as mulheres da Fibrarte: Adriana Patrício, Cícera Selma,
a Cicinha, Cilda Tavares, Iraneide Cruz, Íris Maria, Joseane de Sousa,
Margarete Carneiro, Maria Cleide Moura e, vizinha de sítio da Adriana, Regina
Furtado. O trabalho delas oxigena a antiga estação ferroviária de Missão Velha.
A renda no miolo do tronco da bananeira, uma espécie de avesso em tela, teia, é
um dos padrões que se repetem na geometria, a matemática da pele do Universo.
"As artesãs:
ofícios e legados" é uma das três séries de xilogravuras em exposição até
22 de julho no Centro Cultural Daniel Walker, aberto em maio, na antiga estação
de trem de Juazeiro do Norte. "As artesãs: ofícios e legados" é um álbum
com dez xilos, cinco de Erivana Darc (Daniel da Silva Ferreira) e cinco de
Airton Laurindo da Silva.
Artesã ensinando a fazer
bonecas de pano; a fazer "brinquedos de lata, papelão, brinquedos comuns
de feira"; a fazer potes, jarros, panelas de barro; a fazer renda; são
alguns dos títulos das xilos. Explicitam desde a sustentação do cotidiano - em
sua maior parte, sabemos, realizada por mulheres e não reconhecida como
trabalho -, a outro traço forte do ofício artesanal, e do viver: a transmissão,
o ensino-aprendizagem como tutano da memória.
"Brincadeiras
populares infantis", de Erivana Darc e Josélia Andrade Silva, reúne cinco
xilos de cada gravadora. "Pássaros do Cariri Cearense nos Traços da
Xilo", seis de Cícero Vieira dos Santos e seis de Erivana Darc. Cícero
parte de desenhos feitos por ele próprio. As demais xilos, com sotaque de quem
as gravou, são desenhos de Cosmo Braz.
Vi em abril algumas das
xilos dos álbuns, suas matrizes, os tacos de madeira que recebem as incisões,
ranhuras e outras formas de inscrições; a matriz é o "carimbo" a ser
impresso em papel ou outros suportes. Vi uma mostra delas em visita à Lira
Nordestina, a estação que guarda parte das chegadas e partidas, entradas e
saídas, navegações por caminhos diversos, inclusos os de ferro, da editoração
popular no Brasil.
A Lira já funcionou na
estação reativada e batizada em honra ao professor Daniel Walker (1947- 2019).
Hoje, fica no mesmo prédio do Vapt-Vupt, em Juazeiro. O atual nome da
Tipografia São Francisco, de José Bernardo da Silva (1901-1971), foi dado por
Patativa do Assaré, poeta de plumagem sonora com sofisticação de uma orquestra.
Sofisticação, você sabe, uso para dizer de, se não longa, uma larga experiência
de tempo. Isso que só é possível como obra coletiva. Feito mata, floresta.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 23/06/24. Vida & Arte, p.2.
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