Por Mailson Furtado (*)
Belchior inicia o verso
de sua música de maior sucesso dizendo “Eu sou um rapaz latino-americano”,
assumindo-se, antes de se dizer brasileiro ou cearense, que também foi, um
latino. Contrapondo uma grande lacuna à grande parte da população brasileira,
que é o assumir-se ou mesmo saber-se como latino-americano.
Tal fato traz
experiências das distintas colonizações na América Latina. Enquanto todos os
demais países foram colonizados pela Espanha, apenas o Brasil foi por Portugal,
com idiomas diferentes que impõem uma barreira na comunicação.
As formas de
independências influem também no sentimento do povo por sua terra. Os países
hispânicos se “fizeram” através de lutas sangrentas, enquanto o Brasil, no
cerne, por um acordo político dentro da própria corte portuguesa. Assim, diante
da magnitude geográfica e da disparidade econômica que se firmou, o Brasil
consolidou um olhar hegemônico diante dos vizinhos, descolando-se e garimpando
outras referências para comparar-se, geralmente advindas da Europa ou América
Inglesa.
Isso reflete muito na
história do futebol brasileiro, onde, até os anos 1990, a Libertadores não era
o campeonato mais importante para os clubes daqui, sendo desdenhado inclusive
em prol dos Estaduais.
De lá pra cá, muita
coisa mudou, e mesmo que haja ainda uma grande barreira invisível em relação à
América hispânica, ficamos mais próximos, tanto pela globalização inerente
desses dias, como pela firmação de acordos como o Mercosul. No entanto, é o
futebol, paixão comum de todos, uma das experiências de latinidade que dia a
dia prova-se, permitindo conhecer-nos.
Acompanhamos com
entusiasmo, nos últimos anos, a consolidação dos clubes cearenses dentro das
competições sul-americanas, inclusive como protagonistas. Desde 2020 temos pelo
menos um representante seja na Libertadores ou Sul-Americana, fato inédito a
qualquer outro estado do Nordeste. E pensando sobre o futebol ser esse mote
para encurtamento de distâncias e experiência in loco sobre a própria
latinidade, dos tantos Brasis possíveis a encontro, onde estava o Nordeste
antes neste processo?
É uma pergunta que a sua
não-resposta diz muito. Não estava. Acabando por aumentar as barreiras já tão
cristalizadas, principalmente ao Nordeste, que é a única região do Brasil a não
ter fronteiras com nenhum outro país.
Dessa forma, ter um
clube cearense pelo quinto ano seguido em uma competição continental, para além
de um marco esportivo e histórico, é também político, potencializando a
nordestinidade como símbolo de brasilidade e de latinidade. Seguindo esse
trilhar, não demorará a dizer-nos aqui pelo Ceará, tal qual Belchior, que antes
de tudo (também) somos latino-americanos.
(*) Cirurgião-dentista. Escritor e professor.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/04/24. Online.
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