Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
Foi uma
conversa descontraída, em uma consulta com um paciente episódico, daqueles que
nos dão prazer em escutar. Era um paciente médico, voltado ao estudo da alma e
de suas formas de apresentação. Fluiu um papo livre. Ponderamos pontos de vista
sobre o ser humano. Falei-lhe que estava assustado com o mundo, com o
julgamento implacável sobre as falhas no decorrer da vida. Dividimos
experiências da nossa atividade.
Relatou-me
algo que me fez escrever este texto. Contou-me que o Sr. X, seu paciente,
estava internado em hospital psiquiátrico. Era conhecido como um homem perigoso
e, por isso, o mantinham isolado numa "cela".
Outro
paciente, o Sr. Y, que não tinha essas mesmas restrições, era isolado
espontaneamente por ter aids. Naquela época, nos anos 1990, os preconceitos e
as dúvidas eram ainda maiores. Por estar num quadro mais avançado, com enormes
limitações para se autocuidar, tinha dependência para as atividades. Precisava
de cuidados, mas ninguém, nem os funcionários, se dispunha a ter aproximação
com o Sr. Y. Foi quando o Sr. X se dispôs a fazer essa caridade. E assim o fez,
sem alegar qualquer benefício.
Lembrei-me,
incontinente, da minha juventude, aos 14 anos, ao ler Morris West em "Um
mundo transparente". Reconheci algo que na época me assustou. Do conflito
entre Freud e Jung às sessões de psicanálise com uma paciente adoecida.
Identifiquei-me com vários dos perfis. Parecia-me impossível a distinção entre
o normal e o patológico, especialmente quando analisamos a estrutura psíquica
da personalidade; do Id, do ego e do superego. As ponderações entre a estrutura
moral, os valores e o desejo trazem à tona a biologia determinista, sua vontade
tirana e a convivência com valores em cada tempo.
Assim
sendo, parece-nos simples entender as palavras de Jesus Cristo ao defender uma
mulher adúltera quando com tolerância disse: "Aquele que não tiver pecado
que atire a primeira pedra". Já naquela época, era uma demonstração que
somos seres inconstantes e imprevisíveis, mas capazes de aceitar suas
fraquezas.
Terminamos
como sempre acontece quando nos encontramos, quando esse paciente e amigo me
concede a nossa introdução à consulta, sempre cheia de empatia. Em certos
momentos tenho dúvida entre quem é o paciente e quem é o médico. Arrisco a
dizer uma frase que costumo repetir para meus alunos: por vezes, a medicina faz
mais bem ao médico do que ao doente.
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte:
Publicado In: O Povo, de 20/04/2024.
Opinião. p.17.
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