Por
Romeu Duarte Junior (*)
Como se o país não
tivesse problemas com que se preocupar, enfrentar e resolver, alguns sabidinhos
no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça - CCJ resolveram propor uma alteração
à Carta Magna via elaboração de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de
número 03/2022. Trata-se, nada mais, nada menos, de retirar os terrenos de
Marinha da lista de bens pertencentes à União. O projeto propõe transferir
parte desse extenso território a estados, municípios e até proprietários
privados. O que se concretizou no Parque Nacional de Jericoacoara, no começo
deste ano, poderá ser o modelo do que se trama para o litoral brasileiro. Ou
seja, para pegar um bronze, dar um jacaré e surfar nas ondas, teremos que pagar
pelo uso da praia. Maravilha, né?
Com 7.637 km de linha de
costa, podendo chegar até a 8.500 km se forem computadas as baías, e 33 metros
de largura, contados do mar em direção ao continente, o litoral brasileiro é o
15º do mundo, totalmente voltado ao Oceano Atlântico e considerado pela
Constituição Federal de 1988 como patrimônio da União. A proposição já vem
enlameada, vez que o seu relator é o filhote 01 do
inominável/inelegível/inviajável. Pode-se idealizar o que se projeta com base
nessa nova condição: a miamização/cancunização/ camboriuzação da orla marítima
nacional. Está no mapa do capital um dos maiores processos de gentrificação já
postos em prática no Brasil, além da possível ocorrência de desastres
ambientais de toda ordem. Camaradas, o mar não está para peixe...
Aqui mesmo, em Fort
City, há muito anos convivemos com situações do tipo. O hotel praiano situado
no Centro que impede a chegada à praia, barracas na Praia do Futuro que proíbem
seus frequentadores de comprar umas piabinhas do ambulante para o tira-gosto, o
complexo turístico e o seu amplo coqueiral de lucros. Há legislação referente
ao assunto, a qual é sempre desprezada pelos gananciosos de plantão, que fazem
o que querem e o que bem entendem, muitas vezes com o beneplácito do poder
público que deveria fiscalizá-los. Uma outra gracinha é o valor das concessões
das áreas litorâneas à iniciativa privada: a do Parque de Jeri custou a
bagatela de R$ 61 milhões ao consórcio vencedor. Negócio da China, não? E o
engraçado é que isso continua sob Lula.
Já que a distopia é o
cotidiano brazuca, num futuro provável iremos à praia, antes passando por um
guichê, com um sujeito de fones de ouvido atrás, que nos perguntará:
"Quanto tempo vocês vão passar na areia? Quantos mergulhos no mar irão
dar? Quantas ondas vão surfar? Quantas cervejas irão beber? A que horas irão
sair da praia? Eis a conta". E um lembrete macabro: "Cuidem para não
se afogar, pois cliente morto não paga e o prejuízo é nosso". Viveremos
numa espécie de versão teatral praiana da canção "Taxman" dos
Beatles. Pode-se imaginar a multidão de pobres, que têm no mar a sua única
diversão gratuita, sendo barrada na praia por liseira. A orla é um bem de uso
comum do povo e não de quem pode pagar. Lutemos para que continue assim.
(*) Arquteito e professor
da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/03/24. Vida & Arte. p.2.
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