domingo, 27 de junho de 2021

O INSTANTE E A VIDA, NA PANDEMIA

Por Tales de Sá Cavalcante (*)

Todos daquela turma de amigos trabalhavam excessivamente. De segunda a quinta, o almoço era um pequeno intervalo para, após o trabalho da manhã, planejarem o que fariam à tarde.

Na sexta-feira, almoçavam juntos. Era "festa". Se fossem íntimos do célebre Vinicius de Moraes, talvez pedissem ao Poetinha que no poema "O dia da criação", num jeitinho brasileiro e com as devidas vênias religiosas, a exaltação se desse à sexta, e não ao sábado. Mas o novo coronavírus tudo mudou.

Na pandemia, o brilho do melhor dia se foi. Todos sentiam falta dos alegres almoços, quando voltavam à adolescência, às vezes até à infância. E aquela sexta foi a pior. Nessa data, o irmão de um deles e cunhado de outro, após longo período entubado, perdeu para a Covid. E veio o pesar.

Poucos vencem as perdas como o notável filósofo Raimundo de Farias Brito, que, em texto memorável, apontou: "Tenho (…), nos momentos difíceis, uma resistência extraordinária. Neste ponto sinto que não sou comum. Parece-me até que a coragem cresce em mim quando as dificuldades aumentam. E quando o perigo chega ao último limite, já não me abala. Torno-me assim insensível a toda desgraça, revelando-se-me, em certas ocasiões, no fundo do ser, energias que me surpreendem."

Epicuro, ilustre filósofo do Período Helenístico, também nos conforta. Segundo o fundador do Epicurismo, cujo lema é "viva o instante", "a morte é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existimos mais" e "as pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo".

Forte amizade dificulta a aceitação da dor maior em dois amigos e uma amiga. Isso nos leva à pretensão de um ideal: conviver ao máximo com a família e os outros afeiçoados, aproveitar, moderadamente, tudo o que essa maravilhosa festa chamada vida nos oferece, procurar, nos limites, usufruir dos possíveis prazeres, comemorar os grandes momentos e respeitar os direitos de outrem, a dar a César o que é de César, porque, com exemplos que possam ser seguidos, deixa-se um legado, e a imortalidade é alcançada.

(*) Reitor do FB UNI e Dir. Superintendente da Org. Educ. Farias Brito. Membro da Academia Cearense de Letras.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 6/5/21. Opinião, p.22.

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