Por João Brainer Clares de Andrade (*)
Alguns colegas médicos têm se unido a vozes
solitárias em nome de um suposto tratamento precoce para Sars-CoV2.
Primeiro, alardeavam, ao tom do Presidente, a Cloroquina como a ferramenta
capaz de reduzir internações, gravidade e mortalidade. Ficaram órfãos.
Para não destoar da fala presidencial, passaram a
advogar por um combo que envolve antibióticos e antiparasitários:
a ivermectina então passou a estampar postagens no Instagram.
Assim, muito mais que uma defesa ao
"tratamento", parecia mais importante saciar o ego; e uma ideologia
capenga que agride quem defende uma medicina sem inclinações políticas se
sobrepõe à missão essencial de qualquer médico.
A defesa de alguns médicos em nome de tratamentos já
alegadamente ineficientes se alia à da flexibilização de medidas de
isolamento.
O suposto tratamento iria permitir o afrouxamento
para a tão sonhada vida normal. Esse combo, no entanto, é ainda mais explosivo:
é irresponsável e irracional.
Alardeiam a defesa da autonomia médica, mas se
esquecem de que o exercício da Medicina se baseia em evidências científicas. A
ausência de evidência não significa ineficiência, mas abundam na literatura
publicações sérias mostrando que "não temos evidência de melhora nesses
tratamentos".
Pesquisas não faltam, e sobra a insanidade para uma
prescrição que não é isenta de riscos.
Esse grupo, que por vezes ocupa espaços de
representação, escancara quão débil é nossa formação científica no curso de
Medicina.
Parece que formamos a rodo alguns médicos sem capacidade
crítica e sem noção de desenho científico ou estatística básica. Parece que
somos meros replicadores de informação - e o resultado é um profissional
acético que põe para escanteio a própria ciência que lhe formou.
Assim, decepção e medo são os sentimentos que me
restam.
A justificativa de uma esperança no tratamento é
leviana para os defensores ferrenhos de cloroquina e seus similares.
Se assim tivessem essa preocupação, teriam apoiado a compra de vacinas de
qualquer laboratório autorizado, incentivado medidas de isolamento e teriam
cobrado a testagem em massa.
Ficaram cegos e mudos para os desserviços do Governo
Federal.
E assim seguimos infelizmente sem tratamento
precoce para dois vírus: o corona e o da insanidade de alguns médicos.
(*)
Médico neurologista. Doutor pela Unifesp e Columbia
University.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 23/04/2021. Opinião. p.21.
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