quarta-feira, 2 de junho de 2021

O SINDICATO DA CLOROQUINA

Por João Brainer Clares de Andrade (*)

Alguns colegas médicos têm se unido a vozes solitárias em nome de um suposto tratamento precoce para Sars-CoV2. Primeiro, alardeavam, ao tom do Presidente, a Cloroquina como a ferramenta capaz de reduzir internações, gravidade e mortalidade. Ficaram órfãos.

Para não destoar da fala presidencial, passaram a advogar por um combo que envolve antibióticos e antiparasitários: a ivermectina então passou a estampar postagens no Instagram.

Assim, muito mais que uma defesa ao "tratamento", parecia mais importante saciar o ego; e uma ideologia capenga que agride quem defende uma medicina sem inclinações políticas se sobrepõe à missão essencial de qualquer médico.

A defesa de alguns médicos em nome de tratamentos já alegadamente ineficientes se alia à da flexibilização de medidas de isolamento.

O suposto tratamento iria permitir o afrouxamento para a tão sonhada vida normal. Esse combo, no entanto, é ainda mais explosivo: é irresponsável e irracional.

Alardeiam a defesa da autonomia médica, mas se esquecem de que o exercício da Medicina se baseia em evidências científicas. A ausência de evidência não significa ineficiência, mas abundam na literatura publicações sérias mostrando que "não temos evidência de melhora nesses tratamentos".

Pesquisas não faltam, e sobra a insanidade para uma prescrição que não é isenta de riscos.

Esse grupo, que por vezes ocupa espaços de representação, escancara quão débil é nossa formação científica no curso de Medicina.

Parece que formamos a rodo alguns médicos sem capacidade crítica e sem noção de desenho científico ou estatística básica. Parece que somos meros replicadores de informação - e o resultado é um profissional acético que põe para escanteio a própria ciência que lhe formou.

Assim, decepção e medo são os sentimentos que me restam.

A justificativa de uma esperança no tratamento é leviana para os defensores ferrenhos de cloroquina e seus similares. Se assim tivessem essa preocupação, teriam apoiado a compra de vacinas de qualquer laboratório autorizado, incentivado medidas de isolamento e teriam cobrado a testagem em massa.

Ficaram cegos e mudos para os desserviços do Governo Federal.

E assim seguimos infelizmente sem tratamento precoce para dois vírus: o corona e o da insanidade de alguns médicos.

(*) Médico neurologista. Doutor pela Unifesp e Columbia University.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 23/04/2021. Opinião. p.21.

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