Por
Romeu Duarte Junior (*)
Botequim é como gente, cada qual tem seu jeito. Ao me aproximar da
marca de 40 anos de batente etílico diário, tenho refletido sobre a importância
de tais estabelecimentos para a saúde física e mental do gênero humano. Sim,
porque esse negócio de casa-trabalho-casa já fez com que muitos sujeitos e
sujeitas fossem parar no hospício. Às vezes, é fundamental tirar férias de nós
mesmos, nem que seja por algumas horas: o relógio marcando o tempo das
delícias, o cotovelo criando calo no balcão (grato, Jaguar), a conversa mole na
mesa de bar, a paciência quase sempre curta dos taberneiros. É que nem uma igreja:
o rito se desenrola numa liturgia de copos, garrafas, pratos e talheres,
enquanto se louva o sacrifício de quem nos deu de beber e comer. Ah, uma para o
santo.
Como todo profissional do ramo, tenho meus bares prediletos. Alguns
restam apenas na memória, outros se transformaram (geralmente para pior) e uns
poucos resistem impávidos. Gosto dos botequins simples, sem afetação ou higiene
de hospital. Detesto aqueles metidos, estilo Bauhaus ou minimalista. Frequentei
o Bar do Aírton, um dos mais precários que já vi na vida e que existe apenas
imaterialmente, durante mais de 30 anos. Lá fiz graduação, mestrado e doutorado
na arte de tomar umas e outras. Hoje, o meu pouso mais longo é no Raimundo do
Queijo, já lá se vão 17 janeiros fazendo parte da mesa da diretoria aos
domingos, faça chuva ou faça sol. A velha Travessa Crato se vê tomada por mesas
e cadeiras cheias de pessoas que dão sentido ao Centro.
Há dois que aprecio por suas singelezas e a bonomia dos seus donos.
O Bar do Seu Nonato, encravado na Gentilândia há 64 anos, é um dos mais antigos
de Fortaleza e além de confessionário, consultório de psiquiatra e púlpito, o
que todo boteco que se preza é, serviu também como esconderijo e refúgio dos
perseguidos pela ditadura militar. De área exígua, expande seus domínios para a
Rua Padre Francisco Pinto, o jesuíta martirizado pelos tapuias. Já o Bar do
Vicente, em pleno Joaquim Távora, é espaçoso como alguns dos seus muitos
frequentadores, dispondo de uma ampla varanda voltada para o sul. É nesses
ambientes onde tomo o aperitivo antes do almoço, munido de frutas para o
tira-gosto. Um com as suas imagens santas, o outro com o fiteiro, a TV e a
balança.
No Bar do Helano, no qual o dono imita Waldick Soriano, Roberto
Carlos e Cauby Peixoto, é onde pode ser encontrada a melhor garçonete da
cidade, a Aninha, que resolve qualquer problema só com o olhar. Espécie de
consulado de Limoeiro do Norte, é lá onde os conterrâneos botam o papo em dia.
Por fim, é na Embaixada da Cachaça onde, todas as noites, ancoro o meu boêmio
barco. Altino e Gorette, os proprietários, recebem uma clientela assídua e
interessada no imenso acervo de aguardente de cana da casa. Dá para beber uma
dose de cada pinga por dia, o ano inteiro, sem repetir a marca. Os irmãos Denis
e Diego são garçons telepatas, já vêm trazendo o que você quer. E assim, caros,
vou vivendo, entre estrondos e gemidos, homem oco cheio de si.
(*) Arquiteto e professor
da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/07/24. Vida & Arte. p.2.
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