Infeliz de quem tem uma lacraia
no bolso
Se
o sujeito previdente vale por mil, o que dizer da mega-precavida dona Mimosa!
Se, por exemplo, tivesse ela que viajar pra sua Itapipoca às 4 da madrugada pra
ver a mãezinha já arquejando, tomava "o café da manhã do dia
seguinte" logo naquela noite, por volta das 22 horas. E dormia com um olho
aberto, despertador e celular ligados às 3h em ponto. Ainda pedia que o marido
Dedé ficasse acordado, sem esquecer os recados deixados com o vizinho Djalma,
para às 2h bater à sua porta. E o rapaz que pastora a rua, que buzinasse três
vezes, à 1h, "adjunto à janela".
-
Perco é piula que eu perco o cão desse ônibus! Sou doida não, sou antecipada!!!
Isso
aí é nada comprado à última de Mimosa. Tão antecipada - e ainda tão saudável,
creiam, ela não perdeu tempo e chamou em casa meia dúzia de familiares e três
amigas da repartição para ensaiarem músicas que sempre amou ouvir e cantar - de
Benito de Paula a Nelson Gonçalves, de Roberto Carlos a Núbia Lafayete.
Contratou inclusive um maestro de gabarito para a afinação das vozes, em sol
maior. A mensagem do coral e das "belas páginas musicais em forma de
cânticos" que dona Mimosa escolhera a dedo?
-
Pra animar minha missa de sétimo dia, querido!
-
Mas a senhora tá graúda de saúde, assaz corada, esbanjando boniteza e charme!
-
Zero choro! Quero alegria no meu decesso!
-
A senhora é única nessas coisas morrentes!
-
Ê, meu filho! Melhor prevenir que remediar dez vezes! Quem não planeja se
arromba!
Dizem
que, uma semana antes das cantorias, tirou as medidas do caixão e tentou falar
com o padre Fábio de Melo.
O sono da fome
Passava
da meia noite e Verinha, ao volante, observa o marido Zé de Lôla no banco do
passageiro num bocejamento mais infeliz do mundo. Vinham da festa de um povo
amigo, ali pras bandas do Conjunto Zé Walter. No sexto abrimento de boca
seguido dele, a mulher não se contém e, porque aquilo contagiante pudesse pegar
nela (e pela companhia de conversa que perdia), perguntou sem maldade:
-
Zé! Isso é sono ou é fome?
-
Some... - responde desvanecido Zé de Lôla, no limite entre o desmaio e a
vigília, misturando as palavras - sono e fome.
-
Some é tuas ventas! Sumo não! Vai ter que me aturar ainda uns 40 anos!
Sabedoria de garçom
Pense
num caba ruim de abrir a carteira e pagar uma conta! Niltão era, no popular, um
"garapeiro", sempre dando desculpas na hora em que a conta era
apresentada, pra azar de quem com ele estivesse na mesa. Do anúncio de um
incêndio na sacristia da igreja onde era sacristão até "dar um
pulinho" em casa pra socorrer a bisavó engasgada com toicinho, tudo era
desculpa pra capar o gato e não desembolsar o dinheiro do que comeu, do que
bebeu.
Ao
lado do cumpade Zezé das Cabras, algo inacreditável dia desses. Foi em um
restaurante nas imediações do Frotão. Esgotado todo repertório de desculpas,
bucho cheio de bananada com pastel, chegada a conta no balcão, Niltão desmaiou,
caindo da cadeira com toda linha. Revirando os olhos, como se pronunciasse as
últimas palavras em vida, chega a pedir que o levem à emergência - hospital ali
perto. Disse até o nome do médico plantonista. Zezé, sabedor do Agamenon do
cumpade...
-
Taqui, ó! Tu vai morrer í, fí duma égua! Garçom, meus 20 reais da conta! Tome!
-
E a parte do seu colega papocado? - perguntou o rapaz aflito.
-
Espere esse corno 'tornar' e cobre dele! É um 'veaco'!
-
E é? Na minha terra, a gente diz que gente dessa marca tem uma lacraia no
bolso!
Fonte: O POVO, de 28/06/2024. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.
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