quinta-feira, 1 de agosto de 2024

TAXA DAS BLUSINHAS E UMA CARTA NA MANGA

Por Carolina Matos (*)

Se alguém tem dificuldade em perceber o lobby empresarial no Congresso Nacional, observemos o que aconteceu na tramitação do projeto PL 914/2024. Trata-se do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que busca estimular a produção de veículos com menor emissão de gases do efeito estufa e contará com crédito de R$ 19,3 bilhões em cinco anos para as empresas poluírem menos.

Acredite se quiser: foi nesse âmbito do Mover, ainda que a medida não tenha relação direta, que o Senado aprovou a "taxa das blusinhas", que institui a taxação de 20% em produtos com valor até US$ 50 comprados em plataformas estrangeiras de comércio eletrônico. Somando-se aos 17% do ICMS, o novo imposto atinge em cheio pessoas físicas e pequenos comerciantes. Nesse momento, nem o governo nem Senado esperavam por essa.

O deputado Arthur Lira (PP-AL) provou lealdade aos grandes varejistas, chegou com a proposta debaixo do braço e foi incisivo para conseguir sua aprovação. As entidades empresariais defendiam a volta do imposto para conquistar competitividade, proteger a economia nacional, garantir empregos e ampliar estrutura produtiva. É claro que a defesa continha uma dose de terrorismo econômico, ao indicar que 18 milhões de empregos estariam ameaçados sem o imposto.

O consequente ganho para todo o país com o crescimento de compras de produtos nacionais cai por terra porque o ganho não é geral e os produtos não são necessariamente nacionais. As grandes lojas varejistas já importam em grande escala, pagam menos impostos que pessoas físicas e vendem aqui com margem lucro considerável. Logo, se lucram mais dessa forma, expandir a estrutura produtiva nacional e aumentar a oferta de empregos passam longe da agenda empresarial. Registre-se que, nos últimos anos, grandes empresas, independente de seus lucros, movimentaram-se no sentido de ampliar terceirização, retirar direitos, instituir várias funções em um só empregado e oferecer baixos salários.

A taxa da blusinha é um reforço do sistema tributário regressivo no Brasil, que foca sua arrecadação incidindo no consumo, o que afeta em maior proporção quem tem menos renda. Ou seja, é uma medida extremamente impopular - e estamos em ano eleitoral - mas o grande varejo tinha uma carta na manga: o presidente da Câmara dos Deputados. É o poder econômico controlando o baralho do poder político.

(*) Economista.

Fonte: O Povo, de 4/07/24. Opinião. p.19.

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