Por Izabel Gurgel (*)
Maria Gerlene Morais dos Santos trabalha na cozinha da casa-sede do
projeto Criança Feliz, no Jardim Iracema, em Fortaleza. Gerlene bota feijão no
fogo "um dia sim, outro não". Costuma deixar de molho de vinte a
trinta minutos, com cerca de cem ml de vinagre na água cobrindo os feijões. Não
tem vinagre? Usa o sumo de dois limões na água. "Limpa, tira os excessos
que causam gases". Quando começa a ferver, coloca um fio de óleo, o sal e
vai cuidar dos temperos.
"Uso bastante tempero: uma cebola de pequena pra média, um
pimentão grande, três dentes de alho, o cheiro verde". Para um kilo de
feijão. "Quando vai soltando o cheiro, coloco o tempero. Vai cozinhando,
vou temperando e tratando de engrossar o caldo, mexendo. Às vezes, refogo os
temperos antes em um pouquinho de azeite ou óleo ou na própria água do
cozimento". Gerlene gosta do cheiro do feijão quando ferve.
Eleusina Rodrigues trabalha há mais de 40 anos no Mercado São
Sebastião, em Fortaleza. "Simples, simples, simples". Ela repete três
vezes, quase a cantar, o modo de cozinhar o feijão de corda que oferece de
terça a domingo em combinações com arroz, cuscuz, farofa, salada e não menos
que cinco e não mais que sete opções por dia de mistura, como dizemos sobre a
proteína animal compondo a refeição.
A mistura pode ser assado de panela, porco guisado, galinha matriz,
"aquela galinha grande que parece galinha caipira", carneiro cozido
etc. "Varia todo dia". Ela cozinha no restaurante Cinco Estrelas. No
São Sebastião, começou como pieira, a encarregada de manter a pia em ordem.
"Eu lavava louça, panela, tudo. Não sabia fazer um cuscuz".
O feijão de todo dia é feito assim: "Para um kilo de feijão,
dois litros e meio d'água. Gosto de cozinhar com água alta. Feijão já lavado.
Coloco na panela com água fria. Na primeira fervura, coloco mais água e sal. E
vou pros temperos. Óleo na frigideira pra refogar... para dois kilos de feijão,
uma cebola grande, um pimentão verde grande, cinco dentes de alho e meia
colherinha de café de pimenta do reino. Uns quinze minutos depois do feijão
começar a ferver, coloco os temperos refogados. E mais um litro d´água. Por
último, coloco o cheiro verde. Quando o feijão é bem novinho, quarenta minutos
depois da primeira fervura já tá bom de cozimento. Mas depende de um feijão pro
outro."
Dizemos cheiro verde para a dobradinha coentro e cebolinha, uma
espécie de Cosme e Damião, agulha e linha, voz e violão, da cozinha diária no
Ceará (para quem tem casa e cozinha e comida), quase sempre tocada por
mulheres. E, em sua larga maioria, quase nunca associada ao mundo do trabalho.
O cotidiano talvez seja a mais vasta biblioteca à espera de
criaturas leitoras. Uma cozinha do tempo.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/08/24. Vida & Arte, p.2.
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