segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Atriz Fernanda Quinderé celebra posse na Academia Cearense de Letras

Por Lêda Maria Souto Paulino (*)

Em entrevista poética, Fernanda Quinderé, nova imortal da Academia Cearense de Letras, reflete sobre trajetória e carreira

Fernanda Quinderé lembra muito estes ventos de setembro. Sopram fortes durante o dia e suspiram segredos pela madrugada. Tem momentos que nos deixam respirar forte, recusando passadas lentas e facilitando a liberdade dos cabelos voando em desalinho. São ingratos ao passar pelos jardins e pelos espaços verdes do Parque do Cocó, onde eles não deixam serenos o desabrochar da rosa e aguçam o grito das folhagens, recolhendo-se e temendo serem colhidas em sua velocidade.

Mas, mesmo temidos, em suas características de mando pela natureza, são os ventos de setembro. Eles vão e voltam fundindo-se em ruídos infantis, robustos, incontidos, destemidos, provocando uma alegria grave entre as crianças brincando de soltar pipas ou dançar na liberdade de seus acenos. São azuis os ventos de setembro. E azul é também Fernanda, igualmente mantendo seus sopros fortes de criatividade, liberdade e querer bem.

Mantendo sua velocidade que não para, nem diminui no tempo, pelo tempo vivido. Fernanda, que escuta e mergulha em fontes de água límpida, contemplando o arco-íris, a beleza de cada amigo e o desabrochar de beleza colhido em cada filho.

Fernanda chega agora entre as estrelas. Assume mais uma academia, que é a de Letras, celebrando o certo dos seus desejos e assistindo a um sonho pertencer ao verbo realizar, habituando-se ao possível, ao caminhar pelas manhãs em lírios e corredores de orvalho. Mas, Fernanda é feita de lutas, daí poder alcançar a noite, as madrugadas, os espinhos, iluminada pelas estrelas, convidando-a para suas fileiras, ela, a Fernanda altiva, corajosa, ardente, espontânea. Fernanda, mãe, atriz, escritora, amiga dos amigos, amada e amante das ventanias e/ou do silêncio da madrugada.

Fernanda, nova imortal, chegando faceira e alegre, com uma bagagem de escritos valorizando a vida e os títulos, para sua nova missão na Academia Cearense de Letras, fundada há 130 anos, sendo a primeira do País.

O POVO - Quem é você?

Murmúrios

Olho-me no espelho

Vejo-me outra

Enigmas de um tempo meu.

Ouço murmúrio da minha alma

Finjo que não escuto.

Ouço de uma cachoeira

Nascida da pedra de onde eu vim.

Firme, livre como o sol

Despida como a natureza

Que fala a língua dos Deuses

Simbólica no tempo do amor

Em que fui e sempre serei

À mercê dos sonhos.

OP - Existem muitas paixões?

Paixão inconfessa

Abro o decote da minha alma.

Mostro meu coração sangrando.

Minha boca oca de paixão

Oncita o gesto suicida.

Minhas mãos

Invadem o seio

Rasgam

O que resta em mim

Desta paixão. Inconfessa.

OP - Quais as suas tristezas?

Dores do tempo

Vivo as dores do tempo

E o soluço compulsivo das estrelas.

Sinto tristeza do mundo

E bebo as astúcias da noite.

À tarde,

As manhãs me angustiam.

O sol

Das noites escuras queima meus olhos azuis.

E a grande flor do meu corpo

Pulsa ausência de amor.

Não há saudade

Apenas desassossego

À espera do que virá

Na solidão dos meus dias

Que se vão. Que se vão...

OP - É possível batizar um prazer?

Um dia azul

Quando acende-me o desejo.

Tal o teu desejo

De ter-me em ti

Meu corpo transpira. Sal.

Bebemos então o mel

Ao sentirmos relâmpagos

Tantos quantos tivemos. Juntos

Naquele dia azul

Quando batizei o prazer

De ter-te em mim

Sem maldizer

O pecado da traição.

OP - Dizem que você já planejou "sua partida"?

Em tempo

Se eu morrer amanhã

Amarrem meus pés

Nas raízes do tempo

Deixem meus cabelos soltos

Aos ventos de agosto à contra-gosto

Da liberdade que nunca tive.

Fechem meus olhos

Sob as ordens da eternidade

Para que eu enxergue

A imensurabilidade

Da solidão que sempre tive.

Libertem minhas narinas

Das flores, odores das velas. Das coroas, dos louros

Que só agora tive

E quando eu gemer de saudades

Enxuguem lágrimas

Nas estrelas

Do meu universo

Para que se tornem poças de luz

No azul da minha poesia morta.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 28/09/24. Vida & Arte. Coluna da Lêda Maria, p.5.


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