Por Lêda Maria Souto Paulino (*)
Em entrevista
poética, Fernanda Quinderé, nova imortal da Academia Cearense de Letras,
reflete sobre trajetória e carreira
Fernanda Quinderé lembra muito estes ventos de setembro. Sopram
fortes durante o dia e suspiram segredos pela madrugada. Tem momentos que nos
deixam respirar forte, recusando passadas lentas e facilitando a liberdade dos
cabelos voando em desalinho. São ingratos ao passar pelos jardins e pelos
espaços verdes do Parque do Cocó, onde eles não deixam serenos o desabrochar da
rosa e aguçam o grito das folhagens, recolhendo-se e temendo serem colhidas em
sua velocidade.
Mas, mesmo temidos, em suas características de mando pela natureza,
são os ventos de setembro. Eles vão e voltam fundindo-se em ruídos infantis,
robustos, incontidos, destemidos, provocando uma alegria grave entre as
crianças brincando de soltar pipas ou dançar na liberdade de seus acenos. São
azuis os ventos de setembro. E azul é também Fernanda, igualmente mantendo seus
sopros fortes de criatividade, liberdade e querer bem.
Mantendo sua velocidade que não para, nem diminui no tempo, pelo
tempo vivido. Fernanda, que escuta e mergulha em fontes de água límpida,
contemplando o arco-íris, a beleza de cada amigo e o desabrochar de beleza
colhido em cada filho.
Fernanda chega agora entre as estrelas. Assume mais uma academia,
que é a de Letras, celebrando o certo dos seus desejos e assistindo a um sonho
pertencer ao verbo realizar, habituando-se ao possível, ao caminhar pelas
manhãs em lírios e corredores de orvalho. Mas, Fernanda é feita de lutas, daí
poder alcançar a noite, as madrugadas, os espinhos, iluminada pelas estrelas,
convidando-a para suas fileiras, ela, a Fernanda altiva, corajosa, ardente,
espontânea. Fernanda, mãe, atriz, escritora, amiga dos amigos, amada e amante
das ventanias e/ou do silêncio da madrugada.
Fernanda, nova imortal, chegando faceira e alegre, com uma bagagem
de escritos valorizando a vida e os títulos, para sua nova missão na Academia
Cearense de Letras, fundada há 130 anos, sendo a primeira do País.
O POVO - Quem é você?
Murmúrios
Olho-me
no espelho
Vejo-me
outra
Enigmas
de um tempo meu.
Ouço
murmúrio da minha alma
Finjo
que não escuto.
Ouço de
uma cachoeira
Nascida
da pedra de onde eu vim.
Firme,
livre como o sol
Despida
como a natureza
Que fala
a língua dos Deuses
Simbólica
no tempo do amor
Em que
fui e sempre serei
À mercê dos sonhos.
OP - Existem muitas paixões?
Paixão inconfessa
Abro o
decote da minha alma.
Mostro
meu coração sangrando.
Minha
boca oca de paixão
Oncita o
gesto suicida.
Minhas
mãos
Invadem
o seio
Rasgam
O que
resta em mim
Desta paixão. Inconfessa.
OP - Quais as suas tristezas?
Dores do tempo
Vivo as
dores do tempo
E o
soluço compulsivo das estrelas.
Sinto
tristeza do mundo
E bebo
as astúcias da noite.
À tarde,
As
manhãs me angustiam.
O sol
Das
noites escuras queima meus olhos azuis.
E a
grande flor do meu corpo
Pulsa
ausência de amor.
Não há
saudade
Apenas
desassossego
À espera
do que virá
Na
solidão dos meus dias
Que se vão. Que se vão...
OP - É possível batizar um prazer?
Um dia azul
Quando
acende-me o desejo.
Tal o
teu desejo
De
ter-me em ti
Meu
corpo transpira. Sal.
Bebemos
então o mel
Ao
sentirmos relâmpagos
Tantos
quantos tivemos. Juntos
Naquele
dia azul
Quando
batizei o prazer
De
ter-te em mim
Sem
maldizer
O pecado da traição.
OP - Dizem que você já planejou "sua partida"?
Em tempo
Se eu
morrer amanhã
Amarrem
meus pés
Nas
raízes do tempo
Deixem
meus cabelos soltos
Aos
ventos de agosto à contra-gosto
Da
liberdade que nunca tive.
Fechem
meus olhos
Sob as
ordens da eternidade
Para que
eu enxergue
A
imensurabilidade
Da
solidão que sempre tive.
Libertem
minhas narinas
Das
flores, odores das velas. Das coroas, dos louros
Que só
agora tive
E quando
eu gemer de saudades
Enxuguem
lágrimas
Nas
estrelas
Do meu
universo
Para que
se tornem poças de luz
No azul da minha poesia morta.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 28/09/24. Vida & Arte. Coluna da
Lêda Maria, p.5.
Nenhum comentário:
Postar um comentário