segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Dominância orçamentária no presidencialismo de coalizão

Por Alexandre Sobreira Cialdini (*)

Os economistas têm analisado o conceito de dominância fiscal desde o artigo seminal de Thomas J. Sargent e Neil Wallace. Eles cunharam a expressão "aritmética desagradável" para descrever a situação em que, quanto mais o Banco Central (Bacen) aumenta as taxas de juros para combater a inflação, mais dinheiro precisa injetar na economia. Para manter a taxa de juros alvo, o Bacen deve pagar essa taxa aos bancos com depósitos no próprio Banco Central e às contrapartidas, que têm acordos de recompra com o Bacen. O risco de o governo recorrer à emissão de moeda para financiar seus gastos é o que está por trás do conceito de dominância fiscal, explicado por Sargent e Wallace em um artigo de 1981.

A dominância fiscal caracteriza-se por um desequilíbrio em que a crise fiscal passa a "dominar" a política econômica do país e uma tentativa de solucioná-la pode agravar o problema. O governo perde a capacidade de controlar a alta da inflação, por meio da taxa de juros, e o país entra em uma "espiral" descendente — os preços sobem, a dívida pública continua crescendo e a confiança internacional no país cai.

Apoderei-me da expressão de Sargent e Wallace e mudei a forma de ver a dominância, a partir de uma aritmética muito mais desagradável para qualidade do orçamento público brasileiro. Isso significa que estamos em tempos de dominância orçamentária na Federação brasileira, com o crescimento completamente atípico de emendas parlamentares no orçamento federal. Em termos nominais, as emendas parlamentares saíram de R$ 6,14 bilhões em valores empenhados em 2014 para um montante autorizado de R$ 44,67 bilhões em 2024. As emendas, que correspondiam a 3,95% do conjunto das despesas discricionárias (despesas de livre alocação) em 2014, alcançaram um patamar de 28,78% em 2020 e, em 2024, devem representar 20,03%.

Nesse contexto, considero acertada a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, que, por meio de liminar, suspendeu o pagamento das emendas parlamentares, reacendendo o debate sobre essa prerrogativa do Congresso Nacional. Emendas impositivas têm execução obrigatória e são previstas pelas Emendas Constitucionais 86/2015, 100/2019, 105/2019 e 126/2022. Elas abrangem as emendas individuais de transferência especial - as chamadas emendas Pix -, as individuais de transferência com finalidade definida e as de bancadas. Por unanimidade, o colegiado manteve duas liminares em que o relator condicionou a execução das "emendas Pix" ao cumprimento dos requisitos constitucionais da transparência, rastreabilidade e fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU). Essa modalidade permite a destinação de recursos a estados, ao Distrito Federal e a municípios por transferência direta, sem necessidade de convênio ou acordo com o Executivo Federal.

Em todos os casos, ficam ressalvados os recursos destinados para obras já iniciadas e em andamento ou para ações de calamidade pública formalmente declarada e reconhecida.

Esse processo, da forma como está, além de representar uma "aritmética desagradável", traz uma dominância orçamentária em que o Parlamento brasileiro deixa de criar e fiscalizar as leis, bem como representar a população no sistema político, para executar políticas públicas. Como disse o próprio ministro Dino, "não pode dar lugar à arbitrariedade, que desconsidere a disciplina constitucional e legal aplicável à matéria". 

(*) Mestre em Economia e doutor em Administração Pública e Secretário de Finanças e Planejamento do Eusébio-Ceará.

Fonte: O Povo, de 22/08/24. Opinião. p.21.

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