Por Alexandre Sobreira Cialdini (*)
Os economistas
têm analisado o conceito de dominância fiscal desde o artigo seminal de Thomas
J. Sargent e Neil Wallace. Eles cunharam a expressão "aritmética
desagradável" para descrever a situação em que, quanto mais o Banco
Central (Bacen) aumenta as taxas de juros para combater a inflação, mais
dinheiro precisa injetar na economia. Para manter a taxa de juros alvo, o Bacen
deve pagar essa taxa aos bancos com depósitos no próprio Banco Central e às
contrapartidas, que têm acordos de recompra com o Bacen. O risco de o governo
recorrer à emissão de moeda para financiar seus gastos é o que está por trás do
conceito de dominância fiscal, explicado por Sargent e Wallace em um artigo de
1981.
A dominância
fiscal caracteriza-se por um desequilíbrio em que a crise fiscal passa a
"dominar" a política econômica do país e uma tentativa de
solucioná-la pode agravar o problema. O governo perde a capacidade de controlar
a alta da inflação, por meio da taxa de juros, e o país entra em uma
"espiral" descendente — os preços sobem, a dívida pública continua
crescendo e a confiança internacional no país cai.
Apoderei-me da
expressão de Sargent e Wallace e mudei a forma de ver a dominância, a partir de
uma aritmética muito mais desagradável para qualidade do orçamento público
brasileiro. Isso significa que estamos em tempos de dominância orçamentária na
Federação brasileira, com o crescimento completamente atípico de emendas
parlamentares no orçamento federal. Em termos nominais, as emendas
parlamentares saíram de R$ 6,14 bilhões em valores empenhados em 2014 para um
montante autorizado de R$ 44,67 bilhões em 2024. As emendas, que correspondiam
a 3,95% do conjunto das despesas discricionárias (despesas de livre alocação)
em 2014, alcançaram um patamar de 28,78% em 2020 e, em 2024, devem representar
20,03%.
Nesse contexto,
considero acertada a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio
Dino, que, por meio de liminar, suspendeu o pagamento das emendas
parlamentares, reacendendo o debate sobre essa prerrogativa do Congresso
Nacional. Emendas impositivas têm execução obrigatória e são previstas pelas
Emendas Constitucionais 86/2015, 100/2019, 105/2019 e 126/2022. Elas abrangem
as emendas individuais de transferência especial - as chamadas emendas Pix -,
as individuais de transferência com finalidade definida e as de bancadas. Por
unanimidade, o colegiado manteve duas liminares em que o relator condicionou a
execução das "emendas Pix" ao cumprimento dos requisitos
constitucionais da transparência, rastreabilidade e fiscalização pelo Tribunal
de Contas da União (TCU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU). Essa
modalidade permite a destinação de recursos a estados, ao Distrito Federal e a
municípios por transferência direta, sem necessidade de convênio ou acordo com
o Executivo Federal.
Em todos os
casos, ficam ressalvados os recursos destinados para obras já iniciadas e em
andamento ou para ações de calamidade pública formalmente declarada e
reconhecida.
Esse processo, da
forma como está, além de representar uma "aritmética desagradável",
traz uma dominância orçamentária em que o Parlamento brasileiro deixa de criar
e fiscalizar as leis, bem como representar a população no sistema político, para
executar políticas públicas. Como disse o próprio ministro Dino, "não pode
dar lugar à arbitrariedade, que desconsidere a disciplina constitucional e
legal aplicável à matéria".
(*) Mestre em
Economia e doutor em Administração Pública e Secretário de Finanças e
Planejamento do Eusébio-Ceará.
Fonte: O Povo, de 22/08/24. Opinião. p.21.
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