Por
Romeu Duarte Junior (*)
Pois é, nunca gostei dele nem do programa dele. Se o domingo já é
um dia chato, talvez por ser a véspera da segunda-feira, ficou ainda mais com
aquela terrível maratona de dez horas seguidas de bordões e gaitadas. Mesmo
assim, o primeiro dia da semana, além da praia, da missa, do gibi e da
macarronada, ficou marcado nacionalmente pelo seu programa. O cabelo arrumado,
o microfone pregado no peito, o sorriso largo, o terno alinhado e a
metralhadora vocal compunham uma persona que teve origem no malandro vendedor
de rua e que se transformou num mais que bem sucedido camelô eletrônico.
Midiático que só ele, talvez tenha sido o maior comunicador da televisão
brasileira de todos os tempos. Fez escola, lançou inúmeros astros e estrelas,
meteu-se com a política.
Seu sucesso deveu-se a compreender a alma popular, as aspirações do
povo simples, o desejo de melhorar de vida de muitos. Para ele, quem quisesse
dinheiro era só abrir as portas da esperança que lá dentro encontraria o baú da
felicidade. Utilizando quem sabe inconscientemente a aguda lógica weberiana,
elegeu a deusa Grana como sua pedra de toque, fazendo aterrissar aviõezinhos de
cédulas de R$ 100 na plateia em transe. Messiânico, tornou-se para muita gente
aquele que podia salvar vidas num estalar de dedos seguido de uma boa
gargalhada. E os seus jurados? Figuras esquisitas, histriônicas, debochadas,
escrachadas, todas anunciadas em coro por uma czarda que passou a ser uma
espécie de agouro dominical, prenúncio do organizado massacre dos calouros...
O Brasil sempre foi refém dos programas de auditório. Começaram
pelo rádio, através de Ary Barroso com seu Calouros em Desfile, no qual Elza
Soares desembarcou vinda do planeta Fome. Abelardo Barbosa, o Chacrinha, fez a
transição do rádio para a televisão, apertando a buzina, tocando a discoteca e
fazendo a Hora do Chacrinha, o primeiro programa de calouros da TV brazuca.
Mister recordar a contribuição para o veículo de nomes tais como Blota Júnior,
Hebe Camargo e Jota Silvestre com o seu pregão "resposta absolutamente
certa!". Um dos mais destacados foi Flávio Cavalcante, cujo programa tinha
um corpo de jurados do qual sobressaíam-se Márcia de Windsor pela delicadeza e
José Fernandes pela grossura. Gugu Liberato foi a criatura do Homem do Baú.
E no Ceará velho de guerra? Impossível esquecer do trabalho de
nomes tais como Augusto Borges, João Ramos e Irapuan Lima, este talvez o mais
marcante de todos por suas presepadas no rádio, onde começou, e na televisão.
Se o Chacrinha perguntava ao público se este queria bacalhau, Irapuan
presenteava os calouros com o frango do Zezé (que logo após era tomado de
volta, pois só havia um). Cada qual do seu jeito, na medida das suas
possibilidades. Contudo, nenhum teve como meta o tilintar do faturamento da máquina
registradora tal como o fez o Rei dos Domingos. Riquíssimo, deixou um império
para a mulher, as seis filhas, os quatorze netos e os quatro bisnetos. Onde
agora está, estará conversando com seus colegas de trabalho e pedindo ajuda aos
universitários?
(*) Arquiteto e
professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/08/24. Vida & Arte. p.2.
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